A Igreja católica foi a religião oficial no Brasil entre 1500 e 1889, quando a República a separou do Estado. Esta garantia de exclusividade provocou uma certa acomodação na Igreja, pois todos eram católicos.
A Inquisição garantia a homogeneidade católica da nação. A falta de melhor trabalho de evangelização, de catequese... transformou o catolicismo mais numa herança cultural, sociológica, do que numa convicção de vida. A situação mudou, no século 19, por dois motivos:
· primeiro: na esfera política, os liberais achavam que o protestantismo era a religião da democracia e do progresso;
· segundo: as grandes imigrações alemãs e os comerciantes ingleses, que colocaram o catolicismo face a face com um interlocutor diferente: o protestante.
CALVINISTAS
1555: Villegaignon, calvinista francês, conquistou a baía da Guanabara e realizou o primeiro culto calvinista no Brasil. Entusiasmado, Calvino enviou para o Brasil o pastor Jean de Lery, que realizou cultos e atos religiosos calvinistas durante os cinco anos de ocupação francesa.
1630: Os holandeses conquistam Pernambuco, dominando, por 24 anos, 14 capitanias no nordeste brasileiro. Eram calvinistas e, com a chegada de Maurício de Nassau, implantam a estrutura religiosa calvinista. Até 1654 foram organizadas 24 igrejas e congregações. Foram relativamente tolerantes com os católicos e acabaram também por adotar a escravatura. A experiência terminou com a derrota holandesa.
PROTESTANTES e IMIGRAÇÃO ALEMÃ
Em 1824, teve início a imigração alemã e, com ela, chegou ao Brasil a Igreja Evangélica de Confissão Luterana. A missão alemã procurou logo enviar pastores para seu atendimento e, ao mesmo tempo, fundar escolas onde pudessem cultivar a língua alemã e o aprendizado da Sagrada Escritura.
A Igreja luterana se considerava uma Igreja étnica, isto é, voltada apenas para os imigrantes e seus descendentes. Sua expansão, até hoje, se identifica com a presença do imigrante de origem alemã.
Como o catolicismo era a única religião permitida no Brasil, aos evangélicos era permitida a construção de lugares de culto, mas sem sinais exteriores, isto é, sem torres nem sinos.
O único matrimônio reconhecido era o católico. Deste modo, os filhos permaneciam ilegítimos e os casais amasiados. Só com o Decreto 1144, de 1863, concedeu-se aos ministros evangélicos o direito de celebrar o matrimônio com efeitos legais.
O mérito da Igreja luterana, sobretudo no atendimento aos imigrantes, foi grande. Seus pastores foram conselheiros, juízes, professores, médicos. Ao redor da igreja e da casa do pastor, a comunidade encontrava rumo para sua vida.
A SEDUÇÃO PROTESTANTE
Depois da Independência (1822), os políticos liberais, fascinados pelos Estados Unidos, achavam que o progresso viria só com o protestantismo. Mas, percebendo a vantagem de controlar a Igreja Católica, preferiram o caminho da reforma do catolicismo por dentro.
O projeto tornou-se claro com a lei de 1855 que fechou todos os noviciados e proibiu às Ordens religiosas de receberem novos vocacionados até uma nova lei que nunca saiu, causando o esvaziamento dos conventos e mosteiros.
Quando foi proclamada a República, em 1889, não chegavam a 10 velhinhos os membros da Ordem franciscana.
O mesmo Estado que fazia questão de ser oficialmente católico, empenhava-se em privar a Igreja de seus quadros. Isso revela uma face permanente das elites brasileiras, de ontem e de hoje: o desprezo pelo povo, por seus costumes e fé.
METODISTAS e PRESBITERIANOS
Em 1835 chegou ao Brasil o jovem pastor F. Pitts, enviado pela Conferência Geral da Igreja Metodista Episcopal dos EUA. Iniciou assim a propaganda explícita do protestantismo no Brasil. Destacou-se, entre outros, o pastor Daniel Kidder que, preocupado com o alcoolismo reinante, promoveu a fundação de Sociedades de Temperança.
Um dos projetos dos metodistas era a propagação da Bíblia. Isso recebeu inclusive a colaboração de sacerdotes.
A missão protestante teve continuidade em 1859, com a chegada de pastores da Igreja Presbiteriana. Dentre eles, cita-se A. Simonton e A. Blackford. Grande colaborador foi o ex-padre paulista José Manuel da Conceição, primeiro pastor presbiteriano brasileiro. Conceição retornou às paróquias onde tinha trabalhado, nelas instalando comunidades evangélicas.
A ação protestante dirigiu-se sobretudo aos imigrantes evangélicos e aos trabalhadores da indústria e dos cafezais. Foi para eles que, a partir de 1920, entraram a Assembléia de Deus e a Congregação Cristã, das quais praticamente derivam todos os pentecostalismos, especialmente a "Brasil para Cristo" e a "Igreja do Evangelho Quadrangular".
Embora desprezados, tanto pelo catolicismo como pelo protestantismo histórico, seu estilo popular conquistou as massas marginalizadas e migratórias do Brasil.
Os evangélicos, num primeiro momento, achavam que não deveriam vir para a América Latina, pois, de certo modo, era cristã pelo catolicismo. Mas chegaram à conclusão de que o catolicismo, com suas devoções e imagens, era pagão. Explica-se assim seu esforço em "cristianizar" o continente católico.
O FERVOR PENTECOSTAL
Se no século 19 e início do 20, o protestantismo foi identificado com progresso, democracia, cultura, liberdade..., na segunda metade do século 20 percebeu-se um enfraquecimento dos evangélicos, devido também à difusão do pentecostalismo, vindo dos Estados Unidos, cujos adeptos cultivam uma viva experiência do Espírito Santo.
O sentimento religioso daí advindo, a paz adquirida, os rígidos princípios morais que prega..., lembram, a muitos pobres e migrantes das periferias, a antiga vida rural. A cidade é grande e as pessoas se confundem, se perdem... Nesse contexto, as igrejas pentecostais - os crentes - obtêm muitos resultados.
Sua estrutura simples, a facilidade de ser pastor, o espírito familiar, a expansão dos sentimentos..., tornam a vida mais leve, pois "Jesus me salvou". Possuem uma linguagem e estrutura muito cativantes para as periferias e favelas, onde sua pregação moralizante consegue diminuir a violência. Impressionante é como de uma igreja sai outra, como se criam novas denominações.
O USO POLÍTICO da FÉ
A partir de 1969, o governo americano de Richard Nixon, preocupado com o trabalho de transformação social da Igreja católica, viu no catolicismo uma ameaça ao capitalismo liberal, e procurou, com apoio de recursos e pessoas, difundir um pentecostalismo que se contentasse mais com a salvação da alma e deixasse o resto ao encargo do governo.
O regime militar brasileiro (1964-1984) restringiu a entrada de missionários católicos estrangeiros e facilitou a de pastores evangélicos americanos. Deste modo, as Comunidades Eclesiais de Base das periferias e dos interiores pobres se defrontaram com um concorrente que oferecia uma salvação mais rápida e superior: o pastor crente.
O mesmo desafio encontram as Igrejas protestantes históricas (luterana, presbiteriana...), pois há uma preferência pelas igrejas que oferecem conforto espiritual e humano e possuem um mínimo de organização: basta a Bíblia ou alguns textos dela. Mas, muitos crentes, motivados pelo vizinho militante e católico, também estão se empenhando nos movimentos populares.
No dia da posse do governador do Rio, Anthony Garotinho, presbiteriano, não houve uma Missa solene com o Cardeal, mas um animado culto evangélico na praça. Há pouco tempo ninguém imaginaria isso no Brasil católico.
A RELIGIOSIDADE da PROSPERIDADE, da TERAPIA e do BEM-ESTAR
No final do século 20, o Brasil assistiu à formação de denominações religiosas cristãs cujo centro de pregação é o sucesso e o bem-estar: "Crê em Deus e teus problemas serão resolvidos".
Numa sociedade em desagregação, pobre, marginalizada..., este tipo de anúncio cria muito impacto e esperança. De um lado, todo o mal assume a forma do demônio e, de outro, a fé assume a forma de vitória material: "Se você crê e paga seu dízimo, Deus tem obrigação de atendê-lo".
É a negação do núcleo central do cristianismo, onde tudo é graça, também a cruz. A Igreja Universal do Reino de Deus, um verdadeiro império financeiro, é o exemplo mais conhecido dessa pregação.
Para atrair a juventude e as classes urbanas, surgiu, em São Paulo, a Igreja Evangélica Apostólica Renascer em Cristo, caracterizada pelo uso de ritmos musicais modernos e do gospel norte-americano.
Há denominações religiosas que surgem com a finalidade da cura física, social ou psicológica, correndo o risco de achar que a religião traz a superação do mundo injusto que provoca esses males.
A tradição evangélica não está nas igrejas do conformismo e nem do sucesso, mas no esforço sincero de seguir o Evangelho de Jesus, o Salvador enviado por Deus. Isso favorece o processo ecumênico.
por pastor Erkki Messias
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